terça-feira, 29 de novembro de 2011

JORGEPÔ:ARTE INDÍGENA E A DIVERSIDADE CULTURAL : ÍNDIOS E AFRODESCENDENTES.

“O Artista Plástico modela, cria, funde o seu, o nosso universo por intermédio de formas e cores. As formas são as mais variadas; as cores, aquelas componentes do arco-íris e mais tantas quantas dele resultantes, que é impossível mensurá-las. Enfim, o Artista Plástico trabalha em consonância com o universo que muitas vezes é o seu mundo exógeno e endógeno. Eis a arte, eis o artista!” (Antonio Fontes)
 

Jorgepô busca, em sua obra, retratar o cotidiano de uma cultura esquecida, ele busca, nos olhares, a profundidade de perguntas quase sempre sem respostas ao longo do tempo. Os indígenas deixam de ser objetos da história, para serem, na verdade, a história. O indígena não quer ser inventado ou recriado, mas sim ser ele próprio na sua essência e na sua cultura. São quase trinta anos de trabalho voltado para a cultura do índio, mas retratá-lo não é o suficiente; o olhar que busca a resposta é a expressão mais forte para que a cultura e os costumes do povo indígena sejam respeitados e preservados como o maior patrimônio material e imaterial do Brasil. Jorgepô estudou Artes Plásticas, inicialmente, na Faculdade de Belas Artes em São Paulo (1978). No mesmo ano se mudou para Salvador, ingressando na Escola de Belas Artes da UFBA., onde se formou em 1984. Participou de vários congressos no período estudantil e lecionou por dez anos no Colégio Dínamo como professor de Artes. Em 1986, ingressou no ramo da publicidade e constituiu a empresa denominada Tupiniquins Propaganda. Em seguida, em 1990, fundou o Bloco Tupiniquins, sempre defendendo a causa indígena e usando sempre o refrão: ”deixe o índio ser  índio".
Entre 1978 e 2013, Jorgepô participou de 25 exposições  coletivas, dentre elas: o 36º Salão de Artes Plásticas de  Pernambuco (1982), o happening na Bienal Internacional de  São Paulo (1983), a exposição da Galeria Canizares (1984), a exposição do Recôncavo em Cachoeira, a exposição em Juazeiro,no  Centro de Cultura de Alagoinhas, no MAM em Salvador, entre outras. Realizou também cinco exposições individuais, sendo a última no Trapiche Hotel, intitulada “Índios", onde apresentou obras digitalizadas dos olhares indígenas.
Além das Artes Plásticas, Jorgepô teve uma participação na literatura, tendo três livros publicados: O Movimento dos Corpos, juntamente com Joviniano Borges da Cunha e Eduardo Thomé (São Paulo, 1978 ed. Esgotada), Amores Mutantes, com Antonio Barreto (Alagoinhas, 1980 ed. Esgotada) e Sassu, o guerrilheiro do Araguaia (1985, ed. Esgotada), e algumas coletâneas de poetas baianos.
A arte digitalizada foi uma experiência para um novo trabalho que Jorgepô desenvolve no momento, uma técnica mista de artesanato, impressão digital, sublimação, acrílica, resinas, entre outros materiais, buscando expressões do mundo contemporâneo, confundindo imagens e formas que causarão um questionamento sobre a cultura popular e a acadêmica. A expressão artística e valorização do popular causando um impacto social e ambiental, indo além das culturas indígenas e afro-descendentes questionando a nossa origem num todo, por todas as etnias que compõem a nossa atual.
O traço do artista não é tão simples de descrever, por não obedecer a regras ou títulos. O artista cria a partir do que surge dentro de si pra o seu mundo externo, por isso a denominação endógena e exógena. A técnica muda com a necessidade de ser livre para a expressão, a temática é o produto final da obra para o artista e a continuidade na mesma nos olhos de quem vê ou critica. O sentimento de gostar ou simplesmente repudiar. A expressão na frente da técnica, do suporte e da temática e, por isso, o artista Jorgepô leva consigo para a eternidade a expressão de outro artista, Bené Fontelles: "ANTES ARTE, DO QUE TARDE".
Qual a avaliação que faz das atividades dos artistas plásticos na cidade?
Alagoinhas é uma terra rica em sua cultura, porém fica muito a desejar por falta de incentivo comercial e político. Diante desse quadro, artistas do porte de Josilton Tonm, Luiz Ramos e Élon Brasil (que teve uma pequena passagem por Alagoinhas)l, buscaram outros caminhos para difundirem seus conhecimentos. Outros abandonaram a profissão, como Messias, atualmente moto-taxi. Quem resistiu ao descaso foi LithoSilva, Márcia Almeida, Floriano, e Anthonio Lins, hoje uma página sobrevivente na História da Arte de Alagoinhas. Outros, também muito talentosos, infelizmente ainda estão no anonimato por falta de espaço e incentivo, podendo citar Daniel Barbosa e Edson Dias.
Em sua opinião, o que faz o "nome“ de um artista plástico?
A obra e a trajetória do artista são responsáveis por seu nome, a expressão tem que ir além dos pincéis, telas e demais ferramentas de trabalho. Ela tem que ter o conteúdo social mesmo que seja bonito ou feio, compreensível ou incompreensível. O reconhecimento da sociedade é a participação da mesma nos salões, galerias ou outros espaços culturais, mesmo que não seja para adquirir, mas para opinar, dar créditos ao artista. É preciso deixar o ”rebolation” de lado e perceber a importância do "Trenzinho Caipira de Villa-Lobos". Trocar o passageiro pelo eterno, porque assim é a arte desde o principio, assim nós artistas, através de nossa obra, poderemos ser lembrados, como nunca foram esquecidos: Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafaello, Picasso, Dali, Rembrandt, Kandinski, Tarsila, Portinari, Di Cavalcanti, Pancetti, entre tantos outros.
Alagoinhas possui uma ldentidade Cultural?
Acredito-me, que falta esta identidade. O que há em Alagoinhas é a resistência de alguns artistas e da maior amante de todos eles, a Professora lraci Gama, que traça uma luta árdua para que possamos ter um lugar ao sol. Mas, com iniciativas da FIGAM e do atual governo do Prefeito Paulo Cezar, as coisas começaram a surgir, como podemos citar a inclusão de Alagoinhas como uma das cidades baianas consideradas Patrimônio Cultural da Bahia e do Brasil. Portanto, eu vejo muita resistência tanto de Iraci, como de LithoSilva e o abraço do governo municipal, para que isso se torne realmente o que chamamos de identidade cultural de Alagoinhas.

"Eu, como artista que depois de algum tempo fora de cena estou retornando não somente para fazer da arte um objeto de consumo, mas torná-la um veiculo de aproximação entre a arte e o social, fico eternamente grato pela iniciativa da ACIA em dar um primeiro grande passo para mostrar a sociedade e ao meio empresarial que Alagoinhas é rica no que se diz cultura. E que possamos realmente sensibilizar essa comunidade de que a cultura é a identidade de um povo, seja ela material ou imaterial. A diversidade cultural é a expressão maior de um povo. Portanto, viva a Cultura."



Fonte: Acia Divulga  - Midian Bispo







sexta-feira, 25 de novembro de 2011

ARTE TUPINAMBÁ DE LITHOSILVA




Ao adotar a arte como estiIo de vida, o meu primeiro desafio foi o de encontrar um conceito para arte. Como desenvolver uma atividade sem ter o conhecimento da sua natureza? Depois de coIher várias informações, adotei, por achar mais confortável, o conceito da estética como fora cunhada peIo filósofo alemão Alexander Baugarten (1714-1762): ”Uma ciência do conhecimento sensorial que contrapõe a razão em busca de uma verdade". O segundo desafio foi vivenciar este saber, a arte como uma ciência de conhecimento sensorial e como usar os sentidos para captar as informações e processar conhecimentos. Desde Os meus 30 anos de existência tive a oportunidade de conhecer e praticar a nobre filosofia do Yôga, e a meditação sempre foi a prática da minha preferência. Busquei colher os frutos desta prática para aplicar na atividade escolhida como um estilo de vida: o de ser artista.

Restou então a escolha das perguntas para buscar as respostas. Duas questões incomodavam, há muito, minha alma de artista. A primeira, de natureza cultural e social: Quais são os signos e símbolos matrizes que estruturam a identidade cultural da minha comunidade, Alagoinhas? A segunda é a natureza do conceito do homem livre. A resposta para ambas eu encontrei na organização da civilização Tupinambá, uma sociedade sem Senhor e sem obediência, cujos fazeres e objetos ainda são adotados pela nossa gente. Dediquei então o meu tempo na busca do saber dessas unidades resistentes. As informações colhidas revelam os objetos criativos: as pinturas e as esculturas - a minha arte. No prazer de pintar, adotei os princípios da arte Kusiwa que quer dizer em Tupi, ”o caminho dos riscos". Construo, então, com os riscos, um texto iconográfico, a alma da mensagem, que ora pode estar em forma de figura de uma unidade resistente, ora é a própria alma. Pelos valores interpretativos, utilizo os pigmentos naturais: a argila, o carvão e o urucum. Elaboro, com o pincel e com os dedos, campos de uma paisagem monocromática afinada com a elegância, convidando assim, o observador a uma meditação. Na escultura utilizo os elementos que expressam a resistência do ser que busca a consciência do homem livre: o barro, o ferro e a pedra. Para realizar a missão da arte, como meio de obter e de passar conhecimento, tenho me dedicado, com muita paciência, a observação, para criar uma Iinguagem própria que preencha o olhar conquistado, estabelecendo, assim, uma conexão inteligente entre criador e observador.

A minha caminhada teve início há 44 anos como desenhista, depois Pintor de Sentimentos, técnico em arquitetura, designer e, finalmente, escultor. Três anos como artista residente no Centro de Cultura de Alagoinhas e pesquisador da nossa cultura matriz. Com obras espalhadas pelo planeta, tenho amadurecido, realizando exposições na capital e no interior da Bahia. Em 2006, conquistei  o prêmio "Destaque no Salão de Artes Visuais da Bahia" realizado em Alagoinhas. Em 2008, participei da Bienal do Recôncavo em S. Félix e dos Salões Regionais de Artes Visuais da Bahia, como homenageado, na edição de Alagoinhas, pelas pesquisas realizadas e pelo conjunto da obra, sendo que uma delas foi escolhida para a identidade visual dos Salões Regionais de 2009, promovidos pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. Hoje tenho o sonho de conquistar a consciência indígena através da arte, e de entender três dos seus mitos; o do não hum, o dos abandonados e o de que o sofrimento constrói sonhos e poder.

Numa sociedade onde a leitura é paixão de poucos e onde não se conhece a sua própria identidade cultural, falta a capacidade de descobrir os elementos matrizes dos seus costumes de viver - ainda encantada com os valores do branco europeu e do negro africano. Desenvolver uma atividade estética focando a cultura indígena torna—se uma missão de visionários, isto porque, existem na comunidade as unidades resistentes, como a mandioca e seus derivados, assim como os artefatos de fibra vegetal participando ativamente do dia a dia dessa gente. E ai onde o artista tem de cumprir o seu papel como cidadão: dar visibilidade aos valores cognitivos desta gente simples que vive na zona rural, para construir a sua inclusão ultural e social. Uma missão realizada a duras penas, como sobrevivência para o artista, numa cidade em que a cultura não é protagonista nas organizações institucionais e onde falta espaço cultural e comercial para que suas obras possam ser contempladas e comercializadas. Neste contexto, a arte e o artista passam a ser códigos a desvendar.

Fonte: ACIA Divulga, Setembro de 2010  Redação: Midian Bispo

terça-feira, 22 de novembro de 2011

FILARMÔNICA EUTERPE DE ALAGOINHAS - 118 ANOS DE HISTÓRIA E MÚSICA


A Associação Cultural Euterpe Alagoinhense foi fundada em 08 de Dezembro de 1893 pelos músicos Benevides de Marcedo Silva, Francisco Mares de Souza e Eustáquio Veloso.Tinham estes pioneiros a idéia de levar os seus conhecimentos musicais a outras pessoas, principalmente os carentes, que não tinha alternativas culturais. A idéia teve grande aceitação da comunidade, inclusive, com a fundação de outra filarmônica no dia 17 de dezembro no mesmo ano, nove dias após a Euterpe, a Sociedade Filarmônica União Ceciliana.As duas se apresentavam em praças públicas sempre ao entardecer, quando famílias inteiras viviam às expectativas dos dias de “Tocatas” e se posicionavam para ouvir e aplaudir com entusiasmo as apresentações em clubes sociais da cidade, casamentos, aniversários, procissões, desfiles cívicos, visitas de autoridades, campanhas políticas, cortejos fúnebres e os famosos bailes de Carnaval. Após um ano de fundada, teve o seu primeiro Estatuto criado pelos seus fundadores, Benevides de Marcedo, Eustáquio Veloso, em 1899. Em 20 de março de 1938 a sua primeira reforma do estatuto feita por Israel Pontes Nonato, Salomão Antonio Barros e Joaquim Alves do Nascimento. Em 04 de novembro de 1961, outra reforma, por Antonio Ornellas, Renato Vergasta de Jesus e Claudelino Nemésio Cajazeira. Em 1973, após 80 anos de fundada, seus diretores resolveram mudar a sua razão social que era Sociedade Filarmônica Euterpe Alagoinhense, para a Associação Cultural Euterpe Alagoinhense, para que a entidade pudesse receber ajuda das entidades governamentais. A Euterpe Alagoinhense levou muito tempo disputando a preferência na cidade com a União Ceciliana, brigas que dividiam famílias inteiras, separou casais e gerou troca de tapas entre famílias tradicionais da cidade. Hoje, graças a Deus, a paz reina entre as duas, talvez pelo descaso em que as filarmônicas foram tratadas ao longo de anos pelos seus dirigentes que, atendendo a interesses pessoais, principalmente políticos, sucatearam-nas, destruindo o acervo (documentos e instrumentos) com falsas promessas de recuperação. Este sofrimento abrandou as disputas, levando os maestros a manterem-se lutando no anonimato, praticamente sozinhos, pela sobrevivência das entidades. Por muitos anos a entidade teve na pessoa dos seus maestros a figura também do dirigente, sendo os principais e mais destacados: Por estar instalada em uma cidade tipicamente ferroviária, com entroncamentos para outros estados e de importância econômica para a Bahia (na época), participou de várias “tocatas” históricas quando da visita de personalidades ilustres, tais como:
1894 – Nas festividades da Fundação do Centro Republicano, quando da Proclamação da Republica;
1897 – Visita do Ministro da Guerra. Marechal Bittencourt, durante a Guerra de Canudos;
1909 – Visita de Ruy Barbosa, na jornada eleitoral com Hermes da Fonseca;
- Visita do Governador J.J Seabra na sua campanha cívica;
- Visita do Conselheiro Luiz Viana na cidade de Serrinha/BA;
1936 – Apresentou na Praça Graciliano de Freitas em Alagoinhas, pela 1a vez, o Hino da cidade, letra do jornalista João Pinho e música do maestro Luís Paulo de Santa Isabel;
1969 – Visita do Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco em 23 de novembro de 1969.
Em 2008 a Euterpe venceu o edital Pontos de Cultura da Bahia, com o projeto Tocando em Frente. Como ponto de cultura está atuando na formação de novos musicistas e na presevação da cultura de música filarmônica.
FILARMÔNICA EUTERPE ALAGOINHENSE – 118 ANOS DE HISTÓRIA E MÚSICA

terça-feira, 8 de novembro de 2011

IRACI GAMA - UMA MULHER CHAMADA CULTURA


Se Alagoinhas hoje recebe o título de Cidade Histórica do Brasil agradeça a Iraci Gama, por ter convertido em centro que agrega há décadas todos os talentos culturais da cidade. Recentemente em torno dela se reuniram a secretária da Prefeitura Sônia Fontes, o artista plástico Litho Ramos, com sua arte e sua pesquisa sobre a cultura tupinambá em nosso cotidiano e o coordenador do mestrado em Crítica Cultural, Osmar Moreira. Esses quatro “notáveis” (pessoas de grande simplicidade e acessibilidade, na verdade) trabalharam no projeto que chamou a atenção de figuras de peso na esfera nacional e internacional inclusive, como Henrique Iglesias, diretor há muitos anos do BIRD e um dos seus conselheiros. Essas quatros mentes pensaram um projeto inédito em termos mundiais: O Museu do Homem Livre e Parque da Águas. Agora Alagoinhas está prestes a se tornar um dos principais centros de discussão e preservação cultural em uma dimensão jamais imaginada. Iraci fala dessas perspectivas e projetos. Dialogar com Iraci Gama é como adentrar o mundo maravilhoso da cultura. O resultado, dessa conversa você confere aqui nessa entrevista.

Portal – O que significa este título de Alagoinhas Cidade Histórica para a senhora que tem mais de 30 anos de militância no movimento cultural da cidade e na preservação de sua memória, especialmente com relação à história da ferrovia?
Iraci Gama - O título é muito importante porque nos permite ter recursos indispensáveis definidos pelo Ministério da Cultura através do Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN – para esse trabalho de restauração, de preservação, de ocupação, e de requalificação dos espaços. Não é um trabalho destinado a alguns prédios, não é um trabalho tão somente voltado para o patrimônio arquitetônico, é um trabalho mesmo voltado para o patrimônio cultural. Porque ele relaciona o que já existe, dentro de um determinado contexto, para esta valorização. Daí o nome de núcleo histórico. Existe o núcleo histórico de Alagoinhas Velha, que vai envolver a igreja (inacabada) como elemento central, e os elementos que estão em seu entorno, mas levando em conta o que acontece também com as pessoas. A preocupação com o que as pessoas fazem ali, o modo como as pessoas vivem ali, o que merece ser considerado e preservado. Então a preocupação é realmente com o patrimônio material e imaterial. Além disso, na medida em que você analisa e busca meios de preservação, você procura também divulgar isso que existe, há a possibilidade de se trabalhar agora com esse material como um espaço, um local, um instrumento de ampliação dessas informações para outras pessoas e consequentemente entraríamos no campo da economia da cultura. Esse material devidamente valorizado e difundido vai atrair também pessoas que são interessadas na área para visitação o que pode tornar esse lugar um ponto de atração turística. E existem várias modalidades de turismo voltadas para a pesquisa, para a cultura em si e até para ambientes comunitários e rurais, temos todas essas possibilidades que podem se acoplar ao turismo de negócios, fortalecido, hoje, com essa perspectiva de ligação com o litoral.



Portal – Alagoinhas se tornaria um pólo de convergência e de difusão cultural dos mais importantes do pais a julgar pela tradição que tem e pela inquietação e criatividade de seus artistas, de seus agentes culturais?
Iraci Gama - Pensei em discordar e dizer já é, mas dessa forma estaria mentindo, nós queremos ser, temos potencial para ser temos disposição para ser, temos principalmente trabalho nesta área. Porque se a gente levar em conta já três décadas de trabalho com o movimento cultural, se a gente buscar os idos de 1970, sempre que isso foi feito foi com a intenção de buscar as comunidades do entorno. Esse trabalho de forma organizada começa na faculdade, nunca foi uma coisa exclusiva de Alagoinhas, era uma coisa que atingia toda a região. Então, poderíamos estar melhor encaminhados no sentido de ser esse centro, esse pólo que a gente tanto quer ser, precisa ser. Porque uma cidade que tem a condição de servir de elementos de apoio, ela precisa ser também elemento dinamizador. Não apenas atrair as pessoas para cá, trazendo a sua produção, o seu conhecimento, sua informação, sua criatividade, mas principalmente fazer com que esse trabalho dê retorno e fazer com que essa comunidades possam fazer esse mesmo trabalho de produção, de estímulo a suas comunidades específicas.

Portal – Dizem que nossa vida adulta tem uma forte ligação com a infância, com relação a cultura isso é verdade?
Iraci Gama - Isso realmente veio da minha infância, porque na minha casa em matéria de pobreza nós tínhamos o essencial. Nasci em Alagoinhas na casa que moro até hoje, na realidade nasci cinco casas antes, mas quando minha mãe morreu nós fomos para essa casa que era dos pais dela que foi quem nos criou. Eu tinha um ano de idade quando minha mãe morreu. Tenho dois irmãos Marelene, professora aposentada e José Gama, aposentado do Banco do Brasil. Eram os pais da minha mãe Pedro da Gama e Vitorina da Silva Gama e quatro filhas (tias) e o irmão mais velho que já era empregado da leste. Meu avô também era aposentado da leste. O tio era Zeca da Gama era um sujeito muito criativo porque ele inventava peças aqui na oficina, ele era caldeireiro, trabalhava com as locomotivas a vapor. Eu nasci em 1943 e já o encontrei trabalhando. Eram tarefas de nos causar muito orgulho. Certa vez chegou uma máquina no lastro, praticamente, devido a um acidente e ele fez com que essa máquina saísse daqui funcionando. Ninguém esperava que ela fosse funcionar mais, ele teve que fabricar várias peças para uma máquina a diesel quando até então só se trabalhava com máquinas a vapor aqui em Alagoinhas.

Portal – O que significava a ferrovia para aquela comunidade, a sociedade Alagoinhense de sua infância?
Iraci Gama - Significava tudo. O mundo era a Ferrovia. Ver o trem passar na porta, me lembro como se fosse hoje, quando o Marta Rocha passou, era 1954, nesse mesmo dia foi inaugurada a Rádio Emissora de Alagoinhas. Me parece que eu estou me vendo em pé no portão vendo aquele trem lindíssimo passando, tudo mundo com a maior euforia.

Portal – Antigamente, a estação ferroviária representou para aquela época o que foi o shopping Center nos anos 90, um ponto de encontro de glamour de elegância?
Iraci Gama - Com certeza, mas acho que tem uma diferença, o shopping é um lugar para onde as pessoas vão no interesse da compra. O que privilegia, o que serve de elemento estrutural é o comércio. No caso da estação o mais importante era a movimentação das pessoas. O chegar e o sair da estação significava você receber e você levar a sua própria vida, onde já vai também o seu modo de ser, de pensar e a sua cultura. Essa troca, esse intercâmbio que acontecia era a coisa mais importante. Você vir receber uma autoridade que chega. Elas não vinham pela rodovia porque era de terra batida. A estrada mesmo era a estrada de ferro.

Portal – Era um local repleto de afetividade porque marcava a alegria da chegada à tristeza da partida…
Iraci Gama - Ah sim… se fosse para entrar pelo campo poética a gente não saia mais dele. Não apenas a questão do emocional da saída e da chegada, mas também o emocional das pessoas, que se acostumaram a alegria da passagem do trem, a hora de passar o trem é uma hora especial, todo mundo corre para ver o trem… é o trem que vai passar. Não é tanto porque quem vem lá dentro, mas o trem em si como aquele veículo de levar tanta coisa boa de trazer tanta coisa boa. Apesar de ver todo dia de saber o que vai acontecer era emocionante. E tinha as pessoas que vendiam coisas na estação. Tinha o bar de seu Bispo que era ponto de encontros. Por isso nós pensamos em botar aqui um café litero-musical. Os vendedores traziam seus balaios de laranja e descascavam na hora, tinha todo tipo de bolo. Lembro de dona Maria que fazia o café, esquentava o café, colocava uma rodilha e vinha vender aquele café levando na cabeça, tanto que ela ficou conhecida como Maria Café-quente.

Portal – Havia os alagoinhenses que iam estudar na capital e traziam as novas idéias, deviam vir também às revistas de moda de cinema da época.
Iraci Gama - Era um ponto de encontro mesmo. Claro que toda a movimentação ideológica também se dava através do trem. Isso sem falar nos ferroviários aqui, eles serviram de exemplo e de modelo para o que acontecia na ferrovia entre Bahia e Sergipe. Alagoinhas era ponto de destaque, tinha essa força especial pelo fato de ser um entroncamento. Se você tivesse uma informação para passar para Aracaju, ela iria passar primeiro por Alagoinhas, acontecendo o mesmo com Juazeiro. Alagoinhas era o ponto de ligação com o sertão e com o litoral.



Portal – O trem era um meio de comunicação, um operário da locomotiva tinha contato com outros funcionários em todo o estado…
Iraci Gama - Alagoinhas aprendeu muito com os ferroviários no campo da liderança política. E esses operários aprenderam com quem? Achamos que eles aprenderam com as pessoas que vieram de fora principalmente da Europa.

Portal – O ingleses para montar a própria ferrovia e passar um tempo operando o sistema devem ter passado um bom período na cidade.
Iraci Gama - O que eu sei é os funcionários da empresa, os ingleses, dominaram essa área a partir de 1855. O nosso primeiro trem correu no dia 13 de fevereiro de 1863. Com apenas 10 anos de emancipação, não era ainda cidade, nos passamos a ser cidade em 1880…

Portal – Nós não éramos cidade, éramos uma vila, uma vila com um importante entroncamento ferroviário?
Iraci Gama – O que eu acho de interessante nisso é o que os ingleses já vieram pra cá… se você considerar que o primeiro trem que correu sobre trilhos no mundo foi em 1835 na Bélgica… vinte e oito anos depois o trem já corria entre nós e a gente não soube considerar e respeitar isso e ainda me perguntavam quando souberam que estávamos lutando para colocar Alagoinhas como cidade histórica, me diziam mais o que é que você vai inventar para dizer que Alagoinhas é cidade histórica. Você veja o que é a ignorância.
Os ingleses passaram sua companhia para os franceses em 1911 e Alagoinhas recebe agora uma nova influência cultural, veja só a riqueza disso. Eles ficaram aqui até 1935. Meu avô foi do tempo dos franceses e havia muitas queixas trabalhistas, inclusive registradas em jornal da época “O Alarma”. Então vem Getúlio e toma a atitude de interferir na companhia. Em março 1935 é criada a Viação Férrea Federal do Leste Brasileiro.

Portal – A ferrovia então passa a carregar todo aquele simbolismo nacionalista de Getúlio com a idéia dele de integração nacional…
Iraci Gama - Eu sou intrigada como em Alagoinhas não tem um monumento a Getúlio porque os ferroviários tinham uma grande admiração por ele. Essa admiração vinha da própria intervenção porque a situação com os franceses era de muito descalabro, muito desrespeitoso. Aqui quem assume a estatal é um baiano chamado Lauro Farani Pedreira de Freitas, que era filho de Graciliano de Freitas, que foi editor do jornal Correio de Alagoinhas. O Lauro de Freitas era filho de Alagoinhas e o Lauro Farrani9 também. Ele assume a ferrovia e ele dá um tom todo especial a Leste, ele terminou se impondo de tal maneira na sua forma de administrar que terminou sendo indicado como candidato para governo do Estado e chegaria a governador não fosse o acidente fatídico de avião que o vitimou. Então você veja a força da ferrovia nesse tempo e a força de Alagoinhas nesse contexto histórico da Bahia. A própria constituição de Alagoinhas como polo de micro-empresas, como produtor de laranja vem da ferrovia. Então ainda me perguntam o que é que eu vou inventar para dizer que Alagoinhas é uma cidade histórica.

Portal – Mas falando da igreja inacabada que foi recentemente rebatizada como Nave Antropofágica, e terá o Parque do Homem Livre, algo de abrangência internacional, que foi basicamente pensado por você, Litho Silva e Osmar Moreira. O que é esse projeto?
Iraci Gama - Liberdade é aquilo que o homem sempre está buscando. Mas será que existe algum lugar em que o homem seja livre? Então a gente quer trazer pra cá essa temática, como uma oportunidade de oferecer à comunidade não só alagoinhense como as pessoas que venham nos visitar quais são essas várias tentativas, essas várias possibilidades, essa busca de liberdade que o homem tem em si, essa necessidade de gerir a sua própria vida, de decidir a sua própria vida. É você saber respeitar o seu pensamento, o pensamento do outro, a busca dessa convivência pacífica. Porque se fala tanto em paz, mas o que é que é a paz se a gente a cada dia fica lutando mais, pra ter mais, a ganância passa a ser um vetor, nos dias de hoje então é terrível, o consumo é que dirige as pessoas. Então você passa a ter também o interesse da dominação do outro para que você possa ter mais, não se importa que o outro não tenha nada.
Nesse aspecto, a arte, portanto, seria uma representação simbólica desse estado de liberdade e a gente quer trazer para lá, para o parque, essas diferentes maneiras de entender como é que as pessoas nas diferentes partes do mundo, as pessoas pensam e sentem e tem essa visão de liberdade, como essa representação se dá. Então estamos partindo de um material básico que são pesquisas feitas por Litho Silva da nossa realidade indígena, presente no nosso comportamento cotidiano inclusive.

Portal – Os prédios históricos da cidade estão sendo derrubados, isso não ficará contraditório com o título de Cidade Histórica?
Iraci Gama - Quando a gente olha nessas fotos a década de 20, a década de 30, a cidade como era bonita, os prédios que se construíam, que ultimamente as pessoas estão destruindo, por isso inclusive que eu me animei muito com a idéia de Alagoinhas ser cidade patrimônio do Brasil para que as pessoas não tenham mais o direito de ficar derrubando um bem desse como se ele fosse uma coisa particular, um bem desse não é um bem de um cidadão é um bem de toda uma coletividade que nós representamos. Então é preciso que haja respeito por essa história, respeito por essa marca de um povo.

http://www.revistaportaldacidade.com.br/site/2010/11/iragi-gama-a-mulher-chamada-cultura/